segunda-feira, 25 de julho de 2011

Pinga e agrotóxicos

Médicos das Usinas dão pinga para cortar o efeito do agrotóxico no corpo

  • Jornal Brasil de fato. Sao Paulo.25 de julho de 2011

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    Por Charles Souto
    Do Brasil de Fato

    “De repente a menina cansava sem ninguém sabe como. Tinha que pegar e levar pro hospital às pressas”, relembra Madalena. A cena se repetia todos os dias. Sua sobrinha, à época com quatro anos, tinha crises respiratórias a cada fim de tarde e era socorrida no hospital de São Lourenço da Mata, zona da mata norte de Pernambuco. “Foi então que a médica descobriu que os ataques só aconteciam quando meu irmão chegava em casa do trabalho. Ela pediu pra ele se afastar do serviço por algum tempo. Passou um mês e a menina não teve mais nada, quando ele voltou a trabalhar os ataques voltaram”. O irmão de Madalena aplicava agrotóxicos nos canaviais da usina Petribu.

    Os ataques de asma que a sobrinha de Madalena sofria eram causados pelos vestígios de agrotóxico que permaneciam no corpo de seu irmão, “muito embora”, ressalta Madalena, “quando largava do trabalho, ele tomava banho na usina e trocava de roupa antes de ir pra casa”.

    O relato de Madalena é reforçado por outras esposas e mães da região, cujos nomes verdadeiros foram preservados para evitar retaliações da usina. “O fedor é muito forte”, lembra Regina, cujo esposo de 30 anos aplica veneno nos canaviais da Petribu pela segunda safra consecutiva. “Quando ele chega do serviço, só entra pela porta de trás. A roupa que ele usa pra ir e voltar do trabalho tem que deixar na porta da casa. Boto na água sanitária e nada do cheiro sair. Tem dia que o fedor é tão forte que não consigo nem ficar perto dele”, completa.

    Regina revela que seu esposo já foi parar no hospital municipal depois de passar mal e desmaiar durante a aplicação dos agrotóxicos. “Ele tomou soro e foi liberado. O médico não disse nada sobre o veneno e não passou nenhuma medicação. Até hoje tem dia que ele acorda no meio da noite com o corpo cheio de câimbra.”

    Cachaça como remédio

    A denúncia mais grave é feita por Rosângela. Há três anos seu marido aplica veneno nos canaviais da Petribu. Segundo ela, desde o ano passado, os médicos da usina determinaram que todos os trabalhadores que manuseassem os agrotóxicos “tomassem uma dose de cachaça por dia, depois de terminado o serviço. Eles disseram que era pra cortar o efeito do veneno no corpo.”

    Madalena confirma a acusação: “Na safra passada, eles chamaram meu filho de 19 anos pra trabalhar com veneno. O salário era um pouco maior, mas tinha um porém. Antes eles davam um saquinho de leite pra cada funcionário. Mas agora eles não estavam mais fornecendo leite e sim uma dose de pinga. Quando ele saísse do serviço, ia pra usina, tomava banho, trocava de roupa e recebia uma dose de pinga que era pra poder fazer uma limpeza dentro dele para o veneno não ofender ele”. Seu filho se recusou a beber e acabou desempregado.

    “Não tem efeito nenhum do ponto de vista de evitar, de prevenir ou de tratar a questão da intoxicação pelo veneno utilizado na agricultura” esclarece a médica Lia Giraldo sobre os efeitos do leite e do álcool na lida com os agrotóxicos. Professora da UPE (Universidade do Estado de Pernambuco) e pesquisadora titular da Fiocruz/PE, Lia ressalta que “o leite é um alimento e, obviamente, não tem nenhuma consequência desfavorável tomá-lo, mas também não serve para nada do ponto de vista da intoxicação. Com relação ao álcool [cachaça] sim, é muito perigoso. Porque o álcool tem efeito tóxico para o fígado e para o sistema nervoso, assim como a maioria dos agrotóxicos. Então você tem a superposição de dois produtos que são tóxicos, causando uma potencialização do efeito negativo do veneno sobre a saúde humana. Quem receitar esse tipo de coisa para evitar intoxicação, especialmente se for médico, está cometendo um crime e deve ser encaminhada uma denúncia ao Conselho Regional de Medicina”, enfatizou.

    A pesquisadora lembra que o uso do álcool pode descaracterizar a intoxicação química por agrotóxicos, já que ambos produzem sintomas parecidos, tornando muito difícil a realização de um diagnóstico diferencial. “Na hora de fazer o diagnóstico vão dizer que o problema do trabalhador é porque ele bebe e não porque ele está exposto ao agrotóxico”, conclui Lia.

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