"Num país onde não existe a cultura da consulta popular, como o plebiscito e o referendo, é uma temeridade chamar o povo a participar do processo político, mediante eleição, somente de quatro em quatro anos"
*Antônio Queiroz Congresso em Foco
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, em reunião no dia 22 de junho de 2011, deliberou sobre temas constitucionais relevantes da reforma política: reeleição, duração dos mandatos e coincidência de eleições, acertando nos dois primeiros e errando no terceiro.
O instituto da reeleição já está consolidado no Brasil. Foi introduzido em nosso ordenamento jurídico de forma casuística, para dar mais um mandato a FHC, mas se mostrou adequado, tanto pela estabilidade política que proporciona quanto pela continuidade administrativa que permite, com a soma de oito anos para dois mandatos.
Desse ponto de vista, portanto, a decisão de rejeitar o fim da reeleição foi acertada. O que poderia ter sido feito, mas o Senado não cogitou isso, seria instituir a necessidade de licença ou afastamento nos três meses que antecedem ao pleito, para evitar que o candidato à reeleição disputasse no exercício do mandato e fizesse uso da máquina pública.
Quanto à permanência do mandato de quatro anos, com direito à reeleição para presidente, governador e prefeito, igualmente a medida foi correta. Quatro anos, sem reeleição, seria pouco; cinco poderia ser razoável, mas seis seria excessivo, especialmente na hipótese de crise política no início ou no meio do mandato.
Entretanto, o fim da reeleição e o aumento do mandato trariam como conseqüência a separação das eleições do Poder Executivo (presidente, governador e prefeito) e, no caso presidencial, as duas últimas eleições sem a coincidência de mandato entre o Congresso e o presidente da República foram trágicas.
De fato, nas eleições de Janio Quadros (PDC) em 1960 e Fernando Collor (PRN) em 1989, que aconteceram em períodos diferentes da eleição para o Congresso, os presidentes eleitos diretamente não conseguiram concluir seus mandatos. O primeiro renunciou com menos de sete meses e o segundo foi impedido, com a cassação de seu mandato, depois de um ano e meio.
O estilo imperial de ambos, que não se dispunham nem faziam questão de ter uma boa relação com o Congresso, talvez tenha sido até mais determinante para a interrupção dos seus mandatos do que a falta de coincidência entre as eleições, mas o fato é que em política é difícil acreditar em coincidência. Assim, foi acertada a continuidade das eleições casadas para os poderes Legislativo e Executivo.
Já a decisão de ampliar o intervalo das eleições, passando de dois para quatro anos, pode ter sido um erro do Senado. A proposta aprovada pela CCJ de promover as eleições gerais (presidente, governador, congresso e assembléias legislativas) e as eleições locais (prefeito e vereador) no mesmo ano, ainda que com datas diferentes, precisa ser corrigida, sob pena de aumentar ainda mais o déficit de democracia no Brasil. Num país onde não existe a cultura da consulta popular, como o plebiscito e o referendo, é uma temeridade chamar o povo a participar do processo político, mediante eleição, somente de quatro em quatro anos.
O fundamento utilizado, de redução de gastos ou racionalização dos custos de campanha, é profundamente frágil.
Em primeiro lugar, porque a prática da democracia não pode nem deve ser reduzida ou abolida em razão de seus supostos elevados custos.
Em segundo, porque para o bem ou para o mal é em período eleitoral que são discutidos os destinos políticos do país, do estado ou do município.
Em terceiro, porque ou a eleição teria prevalência nacional, com prejuízo para os estados e municípios, ou a discussão teria foco no município, com prejuízo para o debate dos problemas nacionais e estaduais.
E, em quarto, o que seria pior, poderia levar à hegemonia de um pensamento único, com redução drástica ou eliminação da oposição e do pensamento crítico em espaços institucionais, com prejuízo para a real participação das minorias.
A única proposta constitucional votada na CCJ do Senado que não causou nem causará polêmica foi a mudança de data de posse dos titulares do Poder Executivo, que passaria de 1º de janeiro para o dia 5, no caso de prefeito; dia 10, no caso de governador; e dia 15, no caso do presidente da
* Jornalista, analista político, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), colunista da revista Teoria e Debate, idealizador e coordenador da publicação Cabeças do Congresso. É autor dos livros Por dentro do processo decisório – como se fazem as leis e Por dentro do governo – como funciona a máquina publica.República.
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