*Lúcio Flávio Pinto
Em 1967, um pequeno grupo de geólogos, contratados por aquela que era então a maior siderúrgica do mundo, a United States Steel, confirmou em pesquisa de campo: 500 quilômetros ao sul de Belém, a 900 quilômetros do litoral norte, em plena selva amazônica, havia a melhor jazida de minério de ferro do planeta.
Carajás era um paraíso. O minério mais usado pelo homem desde tempos imemoriais aflorava no alto dos platôs cobertos por vegetação rasteira, em altitudes que chegavam a 600 metros. As encostas eram tomadas, em grande densidade, por árvores altas, que se espraiavam por todas as direções. Circundando as serras, dois rios portentosos – o Itacaiúnas e o Parauapebas – serpenteavam suas águas. A fauna era rica, exuberante. Aquele lugar merecia servir de imagem para o Éden.
Minério e natureza selvagem são termos acompanhantes – e também conflitantes, antitéticos. A extração de um é feita à custa da integridade da outra. Mas nunca esse choque foi tão forte quanto em Carajás.
Originalmente, esse enorme depósito de ferro devia ser levado para os Estados Unidos, como, em décadas anteriores, ocorrera com o manganês do Amapá, minério vital para a siderurgia. Mas quando a US Steel se retirou do empreendimento, em 1977, a estatal Companhia Vale do Rio Doce, que sucedeu a multinacional americana, desviou o rumo para o Oriente. A hematita do Pará atravessaria 20 mil quilômetros de mares e iria preferencialmente para o Japão, até então abastecido pela Austrália, que estava quatro vezes mais próxima.
Ao chegarem a Carajás, os japoneses se deslumbravam. Diga-se que não era apenas pelo fato de que o teor de hematita na rocha daquela região possuía o dobro da qualidade do similar australiano. Era também porque a rica paisagem contrastava com a aridez das zonas mineiras tradicionais. Ambiente igual não existia. Só em Carajás.
Em 2007 a Vale, privatizada 10 anos antes, comemorou o primeiro bilhão de toneladas produzidas em Carajás. Dava a média de 45 milhões de toneladas por ano. Nos primeiros anos após a inauguração da mina, em 1984, a produção não fora além de 25 milhões de toneladas, que era a meta do projeto. Nos anos imediatamente anteriores ao 1º bilhão, a produção foi de 90 milhões de toneladas.
Neste ano já devia passar para 130 milhões, mais de um terço de toda a produção da Vale, que é a segunda maior mineradora do mundo (depois da anglo-australiana BHP Billiton) e a maior vendedora de minério de ferro que circula pelos oceanos. Mas desde 2006 a produção não cresce, derrubando as metas quantitativas fixadas pela empresa.
Era porque a Vale não conseguia liberar seus novos projetos em Carajás. Só no final do mês passado, depois de 10 anos sem expedir qualquer documento para a companhia, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis aprovou o licenciamento ambiental para o funcionamento da quinta mina na parte norte da jazida.
O ato foi muito comemorado, mas dele não resultará qualquer modificação na escala da extração. Melhorará apenas a qualidade da mercadoria, já que a mina liberada contém minério de melhor teor do que o das minas já em exploração e algumas a caminho da exaustão.
Para a Vale, o mais importante é se essa aprovação indicar a tendência do Ibama de repetir o licenciamento, talvez ainda neste ano, de uma nova área de mineração, ao sul das minas que estão em atividade há quase 30 anos. A Serra Sul tem mais e melhor minério. Por isso proporcionará à Vale dobrar a atual produção. Mas também é uma paisagem ainda mais deslumbrante e rara.
No conjunto de serras do sul do distrito mineral há um belo e profundo lago perene. Talvez não haja um só igual em todas as zonas mineiras do planeta. Há várias cavernas, nas quais o homem viveu, a partir alguns milhares de anos atrás. São testemunhos arqueológicos valiosos. Um antigo gerente de Carajás quis dinamitar cavernas da Serra Norte, que abriram um novo capítulo para a reconstrução da presença humana na Amazônia. Foi contido.
Desde então, cavernas têm que permanecer intocadas em áreas de mineração. Se assim continuar, Serra Sul não poderá existir. Mas ela é um projeto de oito bilhões de dólares (10% desse total previstos para uso neste ano). Ao preço de hoje, permitiria à Vale faturar mais do que US$ 10 bilhões por ano, mandando 60% de toda a sua produção para a China.
São quantidades de causar impacto, como vem acontecendo em Carajás desde 2001, quando os chineses, que até então eram um cliente de pouca significação (compravam 5% do minério da Vale), começaram a avançar sobre as montanhas de minério rico. Suplantaram seus vizinhos japoneses e agora pesam nos destinos da Vale –e do Brasil– como, talvez, nenhum outro país em toda a história nacional.
Graças a isso, no ano passado o lucro líquido da Vale representou quase 10 vezes mais do que os US$ 3,3 bilhões pagos em 1997 ao governo pelo controle acionário da estatal, a jóia da coroa das privatizações realizadas a partir do governo Collor (e só na aparência interrompidas pela administração do PT, aparência desfeita de vez pela alienação de três aeroportos até então oficiais).
Quase metade dos US$ 30 bilhões de lucro de 2011 serão investidos pela Vale neste ano. O principal empreendimento é o de Serra Sul, que praticamente recomeça a história de Carajás e dá um salto (talvez mortal) nas transações com a China. Cavernas e lago terão vez nessa agenda de cifrões?
*Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP) (Adital)
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